O Governo angolano indicou hoje que há quase 12 mil reclusos em prisão preventiva nas diferentes cadeias do país, quase metade da totalidade dos presos (25.900), ressalvando a necessidade de maior celeridade no tratamento dos processos. Em síntese, há necessidade urgente de Angola ser um país sério.
Segundo o secretário de Estado para os Serviços Penitenciários do Ministério do Interior, José Bamókina Zau, que não se referiu a eventuais casos de excessos de tempo na prisão preventiva, o Governo de Luanda já iniciou a construção de novos estabelecimentos prisionais para pôr cobro à também sobrelotação das cadeias.
José Zau falava à imprensa, em Luanda, à margem da abertura do seminário sobre as Directrizes da Comissão Africana dos Direitos do Homem e Povos (CADHP), relacionado com as condições de detenção, custódia policial e detenção preventiva em África, e dos princípios sobre a descriminalização de pequenos delitos no continente.
Sobre o que está a ser feito para melhorar as condições das prisões, o secretário de Estado referiu que, apesar de algumas unidades continuarem sobrelotadas, o executivo iniciou a construção de unidades penitenciárias com “características modernas, com maior garantia e conforto para os reclusos”.
Em relação à criminalidade, José Zau indicou que a cidade de Luanda continua a liderar os dados, seguida pelas províncias de Benguela, Huíla e Huambo.
Por seu lado, o vice-procurador-geral da República, Mota Liz, disse à imprensa que os casos criminais devem ser tratados sem que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam beliscados. Se devem… é porque actualmente não são. Certo?
Nesse sentido, defendeu a formação regular dos operadores, desde os polícias que têm o primeiro contacto, ao cidadão que, muitas vezes, em sede de justiça privada, “tende a assumir práticas censuráveis, e dos magistrados que lidam e ditam a necessidade de prisão”.
Para Mota Liz, os cidadãos devem apenas ser privados de liberdade caso cometam algum crime grave, embora, ainda assim, a sua dignidade deva ser respeitada, salientando que a privação da liberdade apenas tem a finalidade de realizar a justiça penal.
“O volume de detenções, tendo em conta a quantidade de crimes que ocorrem diariamente, cria, por vezes, alguma dificuldade”, afirmou o magistrado do Ministério Público, para quem as condições materiais de reeducação dos condenados e o internamento dos detidos ainda não são os melhores.
Mota Liz lembrou que, apesar do mecanismo de prisão domiciliária no país estar previsto na Lei, a sua execução prática continua em discussão no Ministério do Interior e dos Serviços Penitenciários.
“Não temos soluções tecnológicas que permitam o acompanhamento de um recluso ou cidadão preso no domicílio”, afirmou Mota Liz, acrescentando que colocar homens ou guardas em frente das residências fica dispendioso e que a solução para as pessoas detidas em regime fechado passa pela colocação de pulseiras electrónicas.
As macabras brincadeiras do regime
Os tribunais angolanos vão poder passar a aplicar, a partir de Dezembro de… 2015 (é mesmo 2015), a prisão domiciliária em alternativa à prisão preventiva, no âmbito da nova legislação de medidas cautelares que introduz também a figura do juiz de turno.
As medidas constavam do novo Regime Jurídico das Medidas Cautelares em Processo Penal e das Revistas, Buscas e Apreensões, que no dia 23 de Novembro de 2015 foi apresentado, em Luanda, a juízes, investigadores e procuradores do Ministério Público e que harmonizava a aplicação da prisão preventiva durante a fase de instrução.
De acordo com o então director-nacional de Política de Justiça, Pedro Filipe, a nova lei passa a definir prazos “muito concretos” da aplicação da prisão preventiva, algo que até agora não acontecia, nomeadamente pelas sucessivas prorrogações (45 dias) permitidas.
De acordo com a explicação do responsável, a prisão preventiva passava a prever o limite de quatro meses na fase de instrução preparatória e mais dois meses na fase judicial, nos crimes comuns. Além disso, não poderia ser aplicada a mulheres grávidas a partir de seis meses de gestação ou cidadãos maiores de 65 anos com complicações de saúde.
“É um pendor muito mais humanista da lei, mais preocupado com a protecção os direitos e das garantias do arguido, sem querer retirar a eficácia dos órgãos judiciais como um todo”, indicou.
Um dos objectivos da nova lei, referiu ainda Pedro Filipe, é (era) limitar a aplicação da prisão preventiva em Angola, para que apenas possa ser decretada nos casos mais graves.
“Para isso, passamos a ter alternativas, como a prisão domiciliária, a restrição de saída do território nacional, o termo de identidade e residência ou o caso do pagamento de uma caução económica”, explicou o então director-nacional de Política de Justiça.
Uma “grande inovação” da nova lei é a introdução do juiz de turno, em todos os tribunais do país, com a possibilidade de “reapreciar” – a pedido do arguido – as medidas de coacção aplicadas pelo Ministério Público, ainda na fase de instrução preparatória.
“Para, num prazo máximo de cinco dias, se pronunciar sobre a manutenção ou alteração da medida cautelar imposta”, sublinhou Pedro Filipe.
A introdução da aplicação da prisão domiciliária como uma alternativa à prisão preventiva constitui outra novidade desta legislação, que vem substituir a actual lei da prisão preventiva, em vigor até 17 de Dezembro de…2015.
“É um elemento completamente novo, em que vai ser possível a pessoa estar privada da liberdade, mas estando em sua casa, apenas com o impedimento de não poder abandonar porque está sob vigilância policial ou por meios electrónicos”, explicou o procurador-geral adjunto da República de Angola, Pascoal António Joaquim.
Com isto, acrescentou, pretende-se que a prisão preventiva durante o processo instrutório funcione como “última medida”.
Contudo, não se comprometeu com a possibilidade de o Ministério Público propor a prisão domiciliária como medida cautelar já a partir do dia 18 de Dezembro… de 2015.
“Quanto à aplicação da medida, tem-se estado a fazer arranjos [técnicos]. Talvez não, talvez sim. É uma questão que vamos ver, mas é uma medida de coacção que vigora a partir dessa dada e é passível de ser aplicada”, apontou.
Pascoal António Joaquim recordou ainda que “para haver diminuição do número de reclusos é necessário uma redução da prática de crimes”, mas admitiu que a nova lei “vai ter reflexos”, nomeadamente ao “evitar que haja tantos presos como existem agora” em Angola.
Prender é politicamente popular
Em Angola, diversas prisões de elevado peso político, nomeadamente a de José Filomeno dos Santos, fizeram disparar a popularidade não dos órgãos de Justiça mas do Presidente da República que, relembre-se, é também Titular do Poder Executivo e Presidente do MPLA.
Entre popularidade e populismo, os angolanos (cansados de 38 anos de poder autocrático de José Eduardo dos Santos) entraram em êxtase e só não pediram a pena de morte porque, para além de não existir legalmente, tal não foi sugerido por João Lourenço.
Mesmo assim, o povo entende que estes detidos – mas sobretudo José Filomeno dos Santos – deveriam estar encarcerados naquela que fosse a pior prisão do país.
Quando, no passado dia 3 de Outubro de 2018, a VoA escreveu (com base em informações de uma fonte da própria Procuradoria-Geral da República) que o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, o director-geral da Quantum Global, Jean-Claude Bastos de Morais, e o antigo ministro dos Transportes, Augusto Tomás, poderiam ser libertados passando a medida de coacção para Termo de Identidade e Residência (TIR), os angolanos do país irreal (os do país real continuam mais preocupado em arranjar comida) quase provocaram um tsunami.
Ou seja, continuam a achar (por manifesta culpa dos poderes instituídos ao longo de 43 anos pelo MPLA) que a Lei (tal como a Constituição) não é para cumprir. E que, portanto, todos estes arguidos são, até prova em contrário, culpados. Quando é exactamente ao contrário.
E o pânico, ou cobardia, foi de tal ordem que o Tribunal Supremo se viu na necessidade de vir a público desmentir que tenha recebido no Conselho de Segurança Nacional um pedido do juiz conselheiro presidente deste órgão para a soltura do cidadão José Filomeno dos Santos.
Reagindo a informações postas a circular nas redes sociais, segundo as quais, na sessão de 4 de Outubro de 2018, teria apreciado o assunto, o plenário de juízes do Tribunal Supremo diz que não recebeu tal solicitação.
Um comunicado de imprensa esclarece que o Tribunal Supremo e o seu presidente não solicitaram ao Conselho de Segurança Nacional a apreciação deste assunto, nem de qualquer outro referente a processos concretos que estejam a correr nos tribunais.
O Tribunal Supremo reforçou que o Conselho de Segurança Nacional, nessa reunião, não apreciou tal assunto, nem o mesmo lhe foi colocado ou solicitado por qualquer dos seus membros.
O comunicado sublinhava que este órgão auxiliar do Presidente da República não tem sequer competência para apreciar e tomar decisões sobre questões que sejam da responsabilidade exclusiva dos tribunais.
Conforme decorre do princípio constitucional da separação de poderes (que de facto não existe em Angola) e da independência dos tribunais e dos juízes (que de facto não existe em Angola), o Tribunal Supremo não pede (não devia pedir) autorizações ou anuências de qualquer outro órgão ou entidade para proferir decisões referentes aos processos judiciais sob sua jurisdição, esclarece o comunicado.
As informações, de acordo com o comunicado, assim como a campanha em curso de intrigas e falsidades para denegrir a imagem de juízes da corte, são uma tentativa, que não terá sucesso, de condicionar o Tribunal Supremo e a liberdade dos seus juízes.
No comunicado, o plenário de juízes do Tribunal Supremo reitera que não se deixará condicionar ou limitar por qualquer tipo de pressão, que ponha em causa a independência dos juízes. Quem quiser (ainda) é livre de acreditar.
Se fosse mesmo verdade que o TS não se deixa condicionar, que razões teria para que, do seu plenário, surgisse a necessidade de exortar os juízes a continuarem a exercer a sua actividade, incluindo a referente aos processos de combate à corrupção com serenidade, cumprimento rigoroso da lei, objectividade e respeito da dignidade e presunção de inocência dos arguidos?
Folha 8 com Lusa